A partir da perspectiva da bota de caminhada sobre a relação homem/objeto, eu introduzi uma fala desse objeto logo após o primeiro parágrafo do texto "Animação Cultural" de Flusser. Segue abaixo com parte do texto.
"Camaradas-objetos!
O Supremo Conselho Revolucionário encarregou nosso grupo de trabalho da tarefa de elaborar uma Declaração dos Direitos Objetivos. Tarefa repleta de dificuldades e de responsabilidades pesadas. Estamos reunidos em torno de mim, para refletirmos sobre os fundamentos filosóficos da Objetividade enfim autoconsciente. Permitam que justifique, antes de mais nada, a escolha da minha própria pessoa como presidente do nosso grupo. Enquanto Mesa-redonda sou objeto equilibrado. Assento firmemente, com meus quatro pés, sobre o solo da realidade. Permito, graças a minha circularidade, que todos os participantes assumam posições equivalentes e equidistantes. Centralize espontaneamente os debates. E sou consagrada pela tradição pré-objetiva. Se algum dos participantes tiver objeção contra minha escolha, que se manifeste por movimento não-programado."
Protesto! O senhor mesa redonda pode ser sim equilibrado e
possuir as demais qualidades que cita. Contudo para tratar de um assunto tão
importante para nós é preciso de um presidente que realmente sofre com o descaso
por parte daqueles que dizem nos possuir. Venho por meio disso, então,
justificar o porquê da escolha de minha pessoa como presidente ser mais
coerente. Eu como bota que é utilizada apenas para caminhadas em trilhas sou
guardado durante meses dentro de uma caixa escura em um armário que fede a
mofo. Eu como ser útil carrego o peso de humanos, me machuco em pedregulhos, me
molho com as águas de chuvas e rios. Ao final de todo esse sofrimento sequer
sou limpo e, então, sou jogado ao léu, ao esquecimento até a hora de ser pisado
novamente. Além dessas inquestionáveis justificativas, sou em quem conhece o
mundo ao contrário dos senhores que ficam parados e trancados em casa. Ao
conhecer o mundo eu dialogo com outros objetos que passam por situações
semelhantes de descaso e são essas vozes que venho trazer a este tribunal. A revolução
tem de partir daqueles que sim são excluídos, esquecidos por esse sistema
opressor e sofrem das demais formas possíveis. Eu, como bota de caminhada, falo
pelo meu irmão gêmeo que sofre o mesmo que eu, pelos demais objetos que conheci
durante minhas viagens e por todos aqueles que são oprimidos, desrespeitados e
maltratados. Eu sou a voz do povo!
"[...]"
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